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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Carta à Madame Satã


      A Cia Os Crespos está em cartaz com um espetáculo intitulado “Cartas à Madame Satã ou Eu me Desespero sem Saber Notícias Tuas”, assisti ao espetáculo e pretendo re-assisti-lo, em breve farei uma crítica sobre.
         Há algum tempo resolvi que também escreveria uma carta à Madame Satã, (para os que não sabem quem é Madame Satã indico esse texto http://salveamalandragem.blogspot.com.br/2013/02/e-nem-me-despenteio-madame-sata.html). Adiei o exercício alguns dias, pois sabia muito bem a dor que ia me causar.
Madame Satã
         Satã o meu coração está apertado como há muito não ficava, eu queria chorar como uma criança mas não consigo, chorar ia aliviar minha dor.
         Satã meu coração está doendo tanto que parece que não cabe mais dentro do peito.
         É maio Satã e maio para mim sempre foi um mês difícil, começo a desconfiar que seja por alguma relação com o aniversário de morte de meu avô materno, ele morreu em maio, fazem 8 anos.
         Ele foi o primeiro dos meus a morrer, eu tinha 13 anos, com a morte dele puder perceber a efemeridade do ser, o tempo das coisas, pude perceber que tudo acaba, tudo isso foi jogado na minha cara naquele momento, aquela terra naquele caixão era uma forma de jogar essas coisas em minha cara.
         Mas já estamos no fim de maio Satã, 22/05 quase 23, logo o mês acaba, uma droga esse mês ter logo 31 dias, porque logo maio vai ter 31 dias? 31 dias de puro sofrimento Satã.
         Porém fico com a sensação de que o pior já passou.
         Satã porque gostar de alguém dói tanto? Você já gostou muito de alguém?
         Fiz de maio o auge de meu outono, recolhi todas as minhas folhas secas, deixei-as cair, amanhã eu começo a primavera.
         Satã eu sou metidx a libertárix, me dispus a viver relações de amor livre, aos trancos e barrancos.
         Me “relacionava” com uma pessoa a cinco luas, relação difícil, muitas brigas, muito altos e baixos, mais baixos do que altos, momentos bons e ruins, enfim... uma relação.
         Mês passado me envolvi com outro alguém, 2 filhxs de Marte, então a entrega foi quase instantânea, aquele tipo de “paixão cruel desenfreada”, por muitos dias fui a casa delx, passava lá pequenas temporadas, 3 a 5 dias.
         Elx queria ficar no meu corpo feito tatuagem que era pra me dar coragem pra seguir viagem.
         Elx me tratava como realeza, era quase escravidão.
         Entretanto, elx me queria só para ele, Satã eu tenho 21 anos, porque eu me prenderia a alguém agora?
         Eu preferi continuar as minhas relações livres, eu preferi minha liberdade.
         Pode ter sido covardia, embora eu tenha tido certeza de que não foi, sei que muitxs dirão que foi e se for também, esse é um preço que eu aguento, perder a minha liberdade é um preço que não aguento.
         Satã estou aprendendo que não preciso ser forte o tempo todo, acho que ninguém consegue isso.
Inclusive estou me dando a licença de ser covarde, de fugir de certos sofrimentos, de certas dores, encará-las depois, quando eu estiver mais forte.
Começo a me aliviar após escrever essas palavras.
Mas ainda há muita dor.
Há também, fome, sono e a obrigação de acordar cedo amanhã.
Amanhã ou depois volto a te escrever.
Madame hoje na noite de 25 para 26 de maio volto a te escrever, Satã esse mês não acaba nunca.
 Satã, despedir-se de alguém nem sempre é fácil, as pessoas tem sua importância, deixam as suas marcas, despedidas costumar ser tristes, ainda mais quando você nunca fez isso, então acostumou-se a sempre ser despedidx, não a despedir.
Satã escrever isso me dói tanto que sou obrigadx a escrever em doses homeopáticas, só de pegar a caneta, o meu coração já dispara, incha e se aperta, meu estômago contrai, minha cabeça dói.
Porém Satã apesar de todas essas dores termino hoje essa carta, nem que eu não faça mais o dia todo, é 27 de maio Satã, é preciso expurgar essa dor de mim, aproveitarei a lua minguante, diz-se que ela é boa para desabafar, ela é boa ouvinte, ela é boa conselheira.
Oh Lua Minguante a você e a Madame Satã contarei as minhas dores, eu pretendia falar apenas de história, mas vejo que falarei sobre pelo menos quatro.
Um copo americano cheio de café para não cair antes do fim desta carta.
Satã acho que já deve ter ficado claro para você que falarei sobre a minha vida “afetiva”.
Antes de começar a história que mais me dói, introduzirei com duas histórias anteriores de mesma temática, minha pele, a cor de minha pele, a dor de minha pele.
Há dois eu me “relacionava” sexualmente com muitas pessoas, sem menor seletividade, provavelmente por nunca ter me sentido uma pessoa atraente, por não ter nenhuma autoestima, eu transava com aquelas pessoas, passava a noite com elas e ia embora ao dia seguinte sabendo que nunca mais veria a pessoa que transei, era quase prostituição, eu apenas não cobrava, embora muitas vezes eu achasse que deveria tê-lo feito, após muitas camas e poucos meses, comecei a pensar que eu fosse apenas objeto sexual, eu quase me conformei com isso.
Já convencidx de que eu era apenas um objeto sexual, que servia apenas pra fuder, fui para mais uma das camas como eu sempre ia, mesma rotina, sexo e ir embora depois não saber mais notícias.
Até que um dia eu preparadx para cumprir o roteiro de sempre, vou para uma cama e encontro uma casa, pizza, vinho e Violeta Parra, estranho a recepção, nosso sexo foi quase amor, escuto Violeta Parra nesse momento, lembro com carinho de momentos bons.
No dia seguinte quando acordei pensei “a noite foi ótima, agora acabou, esqueça foi só aquele momento” eu me preparava para ir embora, então elx me diz, “volta amanhã”, achei estranho, isso era tão fora do roteiro, mas deixava feliz, Satã eu voltei, voltei alguns meses, construímos uma relação de amizade e companheirismo, eu havia esquecido de como xs xutros podem nos ensinar sobre nós mesmxs, mas tínhamos níveis de entrega diferentes, para mim era fácil a entrega, para elx não.
Como todo carnaval tem seu fim, o meu acabou.
Ah! Satã como eu sofri, tentei procurá-lx em outrxs óbvio que não consegui, até que consegui ficar comigo, sozinhx e tranquilx, Satã depois de meses das cinzas renasci.
Hoje, quase dois anos depois reflito e concluo algumas coisas, Satã elx negrx como eu, fora x primeirx a dizer que gostou de mim por eu ser negrx, fora o primeiro a dizer que minha beleza negra era atraente, atraente e não exótica, elx me respeitava, elx sabia, entendia e também carregava a dor de minha pele.
A outra história tem a mesma temática Satã: O quanto as pessoas negras me respeitam quando ficam comigo, sei que isso não é uma regra, mas felizmente comigo isso acontece, essa história é mais curta e menos intensa.
Começa com um olhar pessoa brava, até tive medo, dias depois, uns dois eu acho,esta pessoa que quando me olhou pensei estar brava me beija, entendo tudo, nos beijamos e não nos soltamos mais, aquela noite dormimos juntxs, transamos, como era fácil e harmônica a comunicação de nossos corpos.
Elx negrx como eu, lindx, se sentia atraído por mim, valoriza meus traços, achava bonito meu Black Power e meus lábios grossos, elx também entendia, sentia e carregava a dor de minha pele, elx de certa forma ainda está comigo.
Aí Satã, agora é a hora, é a hora que chego a história que motiva essa carta, meu coração dói, meu peito também, eu tentei fugir ao máximo agora não dá mais.
Prezada Madame, como já lhe disse, essa história tem aproximadamente cinco luas, das quais três ou quatro não são boas
Satã era uma história que tinha tudo para dar errado e deu. Satã não vou ficar descrevendo detalhes dessa relação, pois não há necessidade, são cinco luas muito recentes, as ultimas cinco luas, é importante dizer apenas que foi uma relação muito difícil, impossível eu diria, marcada por muitas brigas, eu morri muitas vezes, agora eu fênix estou em processo de renascimento.
Um cigarro para organizar o raciocínio, a ligação materna, ouvir a voz materna me acalma, depois vou conversar com minha antiga, minha mais antiga.
Satã eu estou escrevendo para juntar os meus pedacinhos, estou quebradx, mas me recuperando, entre os trancos e barrancos, entre os mortos e feridos resistindo e re(existindo).
A Divina Comédia - Salvador Dali
Conversando com uma amiga, disse a ela que vejo meu corpo como uma gravura do Salvador Dali, de a Divina Comédia, um corpo cheio de gavetas, disse a ela que algumas pessoas ocupam muitas gavetas.
Ela me lembrou que quem tem as chaves dessas gavetas sou eu, eu posso abri-las, mas esvaziá-las e trancá-las novamente quando eu quiser, agora todas as gavetas estão vazias, o vazio é importante, todas as chaves estão comigo, as gavetas ficarão trancadas por algum tempo.
Satã eu fiquei sem comer, sem conseguir dormir, eu chorei e olha que não sou de chorar.
Satã quem conhece a arte da guerra sabe quando desistir da luta.
Satã agora eu volto a ser eu, leio dos escombros de Pagú para sair dos meus escombros, agora Satã minha armadura corpo está colocada e meu turbante coroa também.
Satã aos poucos de minhas cinzas começo a renascer.





        


quinta-feira, 22 de maio de 2014

Renasço

Eu...
Ave agora maldita  renasço.
De minhas cinzas renasço.
Renasço depois de tantas guerras.
Depois de tantas mortes.
Com um coração mais gelado.
E uma garganta mais quente.
Renasço, forte como nunca fui.
De meu pó, virei pedra.
De minhas cinzas nasce o novo incêndio.
O meu desesperar, virou esperar
E agora é não esperar.
Minha dor virou amor
Depois virou dor novamente
Agora é força
É ódio
É vingança
Eu...Ave temível
Flamejante 
Meu canto...
Desencanto
De berros uivantes
Fênix dolorida
Mas renascida
Fortalecida
Ave maldita com que não se brinca
Só se teme
Ao me olhar você treme
E eu cruel gargalho
Piso em tuas lágrimas com pés de fogo
É assim que eu as farei secar.
Renasço a luz da maldade.
Renasço!