A Cia Os Crespos está em cartaz com um espetáculo intitulado
“Cartas à Madame Satã ou Eu me Desespero sem Saber Notícias Tuas”, assisti ao
espetáculo e pretendo re-assisti-lo, em breve farei uma crítica sobre.
Há algum tempo resolvi que também escreveria uma carta à Madame Satã, (para os que não sabem quem é Madame Satã indico esse texto http://salveamalandragem.blogspot.com.br/2013/02/e-nem-me-despenteio-madame-sata.html).
Adiei o exercício alguns dias, pois sabia muito bem a dor que ia me causar.
Madame Satã |
Satã o meu coração está apertado como há muito não ficava,
eu queria chorar como uma criança mas não consigo, chorar ia aliviar minha dor.
Satã meu coração está doendo tanto que parece que não cabe
mais dentro do peito.
É maio Satã e maio para mim sempre foi um mês difícil,
começo a desconfiar que seja por alguma relação com o aniversário de morte de
meu avô materno, ele morreu em maio, fazem 8 anos.
Ele foi o primeiro dos meus a morrer, eu tinha 13 anos, com
a morte dele puder perceber a efemeridade do ser, o tempo das coisas, pude
perceber que tudo acaba, tudo isso foi jogado na minha cara naquele momento,
aquela terra naquele caixão era uma forma de jogar essas coisas em minha cara.
Mas já estamos no fim de maio Satã, 22/05 quase 23, logo o
mês acaba, uma droga esse mês ter logo 31 dias, porque logo maio vai ter 31
dias? 31 dias de puro sofrimento Satã.
Porém fico com a sensação de que o pior já passou.
Satã porque gostar de alguém dói tanto? Você já gostou muito
de alguém?
Fiz de maio o auge de meu outono, recolhi todas as minhas
folhas secas, deixei-as cair, amanhã eu começo a primavera.
Satã eu sou metidx a libertárix, me dispus a viver relações
de amor livre, aos trancos e barrancos.
Me “relacionava” com uma pessoa a cinco luas, relação difícil,
muitas brigas, muito altos e baixos, mais baixos do que altos, momentos bons e
ruins, enfim... uma relação.
Mês passado me envolvi com outro alguém, 2 filhxs de
Marte, então a entrega foi quase instantânea, aquele tipo de “paixão cruel
desenfreada”, por muitos dias fui a casa delx, passava lá pequenas temporadas,
3 a 5 dias.
Elx queria ficar no meu corpo feito tatuagem que era pra me
dar coragem pra seguir viagem.
Elx me tratava como realeza, era quase escravidão.
Entretanto, elx me queria só para ele, Satã eu tenho 21
anos, porque eu me prenderia a alguém agora?
Eu preferi continuar as minhas relações livres, eu preferi
minha liberdade.
Pode ter sido covardia, embora eu tenha tido certeza de que
não foi, sei que muitxs dirão que foi e se for também, esse é um preço que eu
aguento, perder a minha liberdade é um preço que não aguento.
Satã estou aprendendo que não preciso ser forte o tempo
todo, acho que ninguém consegue isso.
Inclusive
estou me dando a licença de ser covarde, de fugir de certos sofrimentos, de
certas dores, encará-las depois, quando eu estiver mais forte.
Começo
a me aliviar após escrever essas palavras.
Mas
ainda há muita dor.
Há
também, fome, sono e a obrigação de acordar cedo amanhã.
Amanhã
ou depois volto a te escrever.
Madame
hoje na noite de 25 para 26 de maio volto a te escrever, Satã esse mês não
acaba nunca.
Satã, despedir-se de alguém nem sempre é fácil, as pessoas tem sua importância,
deixam as suas marcas, despedidas costumar ser tristes, ainda mais quando você
nunca fez isso, então acostumou-se a sempre ser despedidx, não a despedir.
Satã
escrever isso me dói tanto que sou obrigadx a escrever em doses homeopáticas,
só de pegar a caneta, o meu coração já dispara, incha e se aperta, meu estômago
contrai, minha cabeça dói.
Porém
Satã apesar de todas essas dores termino hoje essa carta, nem que eu não faça
mais o dia todo, é 27 de maio Satã, é preciso expurgar essa dor de mim,
aproveitarei a lua minguante, diz-se que ela é boa para desabafar, ela é boa
ouvinte, ela é boa conselheira.
Oh Lua
Minguante a você e a Madame Satã contarei as minhas dores, eu pretendia falar
apenas de história, mas vejo que falarei sobre pelo menos quatro.
Um copo
americano cheio de café para não cair antes do fim desta carta.
Satã
acho que já deve ter ficado claro para você que falarei sobre a minha vida “afetiva”.
Antes
de começar a história que mais me dói, introduzirei com duas histórias
anteriores de mesma temática, minha pele, a cor de minha pele, a dor de minha
pele.
Há dois
eu me “relacionava” sexualmente com muitas pessoas, sem menor seletividade,
provavelmente por nunca ter me sentido uma pessoa atraente, por não ter nenhuma
autoestima, eu transava com aquelas pessoas, passava a noite com elas e ia
embora ao dia seguinte sabendo que nunca mais veria a pessoa que transei, era
quase prostituição, eu apenas não cobrava, embora muitas vezes eu achasse que
deveria tê-lo feito, após muitas camas e poucos meses, comecei a pensar que eu
fosse apenas objeto sexual, eu quase me conformei com isso.
Já
convencidx de que eu era apenas um objeto sexual, que servia apenas pra fuder,
fui para mais uma das camas como eu sempre ia, mesma rotina, sexo e ir embora
depois não saber mais notícias.
Até que
um dia eu preparadx para cumprir o roteiro de sempre, vou para uma cama e
encontro uma casa, pizza, vinho e Violeta Parra, estranho a recepção, nosso
sexo foi quase amor, escuto Violeta Parra nesse momento, lembro com carinho de
momentos bons.
No dia
seguinte quando acordei pensei “a noite foi ótima, agora acabou, esqueça foi só
aquele momento” eu me preparava para ir embora, então elx me diz, “volta amanhã”,
achei estranho, isso era tão fora do roteiro, mas deixava feliz, Satã eu
voltei, voltei alguns meses, construímos uma relação de amizade e
companheirismo, eu havia esquecido de como xs xutros podem nos ensinar sobre
nós mesmxs, mas tínhamos níveis de entrega diferentes, para mim era fácil a
entrega, para elx não.
Como
todo carnaval tem seu fim, o meu acabou.
Ah!
Satã como eu sofri, tentei procurá-lx em outrxs óbvio que não consegui, até que
consegui ficar comigo, sozinhx e tranquilx, Satã depois de meses das cinzas
renasci.
Hoje,
quase dois anos depois reflito e concluo algumas coisas, Satã elx negrx como
eu, fora x primeirx a dizer que gostou de mim por eu ser negrx, fora o primeiro
a dizer que minha beleza negra era atraente, atraente e não exótica, elx me
respeitava, elx sabia, entendia e também carregava a dor de minha pele.
A outra
história tem a mesma temática Satã: O quanto as pessoas negras me respeitam
quando ficam comigo, sei que isso não é uma regra, mas felizmente comigo isso
acontece, essa história é mais curta e menos intensa.
Começa
com um olhar pessoa brava, até tive medo, dias depois, uns dois eu acho,esta pessoa que quando me olhou pensei estar brava me beija, entendo tudo, nos
beijamos e não nos soltamos mais, aquela noite dormimos juntxs, transamos, como
era fácil e harmônica a comunicação de nossos corpos.
Elx negrx como eu, lindx, se sentia atraído por mim, valoriza meus traços, achava
bonito meu Black Power e meus lábios grossos, elx também entendia, sentia e
carregava a dor de minha pele, elx de certa forma ainda está comigo.
Aí
Satã, agora é a hora, é a hora que chego a história que motiva essa carta, meu
coração dói, meu peito também, eu tentei fugir ao máximo agora não dá mais.
Prezada
Madame, como já lhe disse, essa história tem aproximadamente cinco luas, das
quais três ou quatro não são boas
Satã
era uma história que tinha tudo para dar errado e deu. Satã não
vou ficar descrevendo detalhes dessa relação, pois não há necessidade, são
cinco luas muito recentes, as ultimas cinco luas, é importante dizer apenas que
foi uma relação muito difícil, impossível eu diria, marcada por muitas brigas,
eu morri muitas vezes, agora eu fênix estou em processo de renascimento.
Um
cigarro para organizar o raciocínio, a ligação materna, ouvir a voz materna me
acalma, depois vou conversar com minha antiga, minha mais antiga.
Satã eu
estou escrevendo para juntar os meus pedacinhos, estou quebradx, mas me
recuperando, entre os trancos e barrancos, entre os mortos e feridos resistindo
e re(existindo).
A Divina Comédia - Salvador Dali |
Conversando
com uma amiga, disse a ela que vejo meu corpo como uma gravura do Salvador Dali,
de a Divina Comédia, um corpo cheio de gavetas, disse a ela que algumas pessoas
ocupam muitas gavetas.
Ela me
lembrou que quem tem as chaves dessas gavetas sou eu, eu posso abri-las, mas
esvaziá-las e trancá-las novamente quando eu quiser, agora todas as gavetas
estão vazias, o vazio é importante, todas as chaves estão comigo, as gavetas
ficarão trancadas por algum tempo.
Satã eu
fiquei sem comer, sem conseguir dormir, eu chorei e olha que não sou de chorar.
Satã
quem conhece a arte da guerra sabe quando desistir da luta.
Satã
agora eu volto a ser eu, leio dos escombros de Pagú para
sair dos meus escombros, agora Satã minha armadura corpo está colocada e meu
turbante coroa também.
Satã
aos poucos de minhas cinzas começo a renascer.